O Porto está na moda, este é um facto inegável. As ruas que antes eram preenchidas por fortes regionalismos nortenhos e um sotaque bem definido, deram lugar a uma cidade poliglota e sem fronteiras, que agora aceita novos desafios.
Os degraus são irregulares, mas a paisagem é certa e cativante. Desta vez, o silêncio da manhã não foi interrompido pelo barulho dos transportes ou por idiomas impossíveis de decifrar, mas sim por uma conversa ligada pelo parapeito de duas janelas.
Naíde Teixeira é uma habitante das Escadas dos Guindais e apaixonada pela zona onde vive. "Eu gosto daqui das Escadas dos Guindais', foi aqui que me viram nascer, e era aqui que eu queria morrer!"
Os Guindais fazem parte da sua vida, para Naíde estas escadas contam muito mais que 293 degraus, contam histórias de uma gente. Mas nem sempre foi assim, Naíde recorda com alguma tristeza no olhar, o passado do local onde vive e dos seus habitantes, muitas vezes associados ao tráfico de droga e à criminalidade.“Ninguém gostava disto aqui. Só nós.”, afirma.
Mas agora, portugueses e estrangeiros, e principalmente os estrangeiros, veem nos Guindais uma plataforma de mergulho na personalidade que caracteriza a cidade do Porto. Naíde não lhes guarda rancor, até pelo contrário, sente-se grata por finalmente valorizarem a beleza que há muito reconhecia à sua cidade, mas recusa-se a perder tudo aquilo que conquistou pelos interesses de quem lucra por uma atividade momentânea e periódica: “Eles passam para baixo e para cima e eu respeito-os, eles vêm pedir informações e eu, dentro do meu saber de língua, tento ajudar. [risos] Gosto de explicar, agora não admito é de nos tirarem daqui para fora!”.
A história de Naíde Teixeira começou há 69 anos, na porta número doze onde viveu com a sua família, mas acabou por se mudar, não para muito longe, apenas alguns lances de escadas acima.
Para Manuel Leal, explicar a vida nas Escadas não é fácil, faltam-lhe as palavras para descrever o local onde viveu durante 70 anos. Diz que nunca passou dificuldades e que teve direito a todas as oportunidades que a vida lhe pôde dar.
As "Escadas" nunca foram assim, o vazio que caracterizava a zona foi interrompido pela chegada dos turistas e que Manuel vê com muito bons olhos. O morador das Escadas dos Guindas não esconde o abandono de muitas habitações, mas garante que “quem saiu, saiu porque quis, uns por velhice – porque têm dificuldades em subir e descer as escadas – outros porque quiseram. A juventude principalmente.”.
Ao descer as escadas, a história é outra
Ao contrário da zona onde vivem Naíde e Manuel, na Ribeira não existem momentos de silêncio, nem espaços vazios ou momentos mortos. Agora, o Rio Douro passou a ser a paisagem, não daqueles que por lá vivem ou trabalham, mas uma paisagem do Mundo. Se por um lado o crescimento da chegada de turistas é vista como uma forma de desenvolvimento não só da cidade do Porto, mas também da Ribeira – onde a presença de turistas tem mais incidência – por outro lado, este aumento abrupto do número de visitantes pode ter um impacto enorme na vida, negócios e na paisagem da cidade.
Na visão da proprietária da Adega de São Nicolau, um dos restaurantes mais antigos da zona ribeirinha da cidade do Porto, o turismo é fundamental para o crescimento do Porto, mas relembra que o mesmo pode provocar alguns congestionamentos à própria cidade e principalmente à zona da Ribeira, onde os acessos e locais de estacionamento são bastante limitados, fenómeno que também afeta a área da restauração. Segundo Renata Coelho,“a gestão de clientela é difícil, precisamente devido à nossa necessidade de querermos continuar a servir os cidadãos daqui.”, afirmando também que existem algumas questões estruturais a melhorar, nomeadamente o estacionamento ou até mesmo a existência de quartos-de-banho públicos que atualmente“condicionam o bem estar da clientela em diversos estabelecimentos”.
“Há muitas pessoas que não sabem o que é o Porto, que não vêm informadas. Há muitas pessoas que não se informam sobre a cidade.”
André Teixeira, proprietário da‘La Paz’, loja de roupa masculina com quatro anos de existência, afirma que o crescimento do turismo levou a que a sua loja conseguisse alcançar um público “mais internacional” e que o turismo de massas não deve influenciar a personalidade de uma cidade ou até a vida de quem lá vive, comparando o processo ao seu negócio que“era uma farmácia e [nós] conseguimos respeitá-la e restaurá-la. O mais importante é respeitar as pessoas que estavam cá antes”.
“São 69 anos, fui criada aqui e andei nas escolas da Sé. Eu daqui quero ir para o meu cemitério, não quero ir para outro sítio. Se sair daqui, uma pessoa vai sofrer, porque aqui conhece-se toda a gente”, conta Naíde Teixeira. O facto de viver longe da família – que se encontra a viver no estrangeiro – não faz de Naíde uma mulher menos feliz. Segundo ela, tudo o que precisa está nas ‘Escadas dos Guindais’, não as de agora, as que em outrora viveu e que agora recorda com saudade.
Informação recolhida em 2018 por iniciativa própria da autora
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